Numa cidadezinha do sul de Moçambique, os passageiros aguardavam espremidos pela partida da van quando uma camponesa chegou apressada. O cobrador fez de tudo para colocá-la no carro: empurrava a mulher, tentava reposicionar os passageiros e discutia com alguns que, segundo ele, não estavam colaborando. Sem sucesso, levou a mulher para fora do veículo e, com a ajuda do motorista, lançou-a para dentro através da janela.
Sentado ao fundo, o jornalista brasileiro João Fellet não sabia se ria da cena ou se lamentava as dez horas que passaria esmagado entre sacos de arroz, engradados de cerveja e cotovelos alheios. E, no entanto, estava disposto a seguir o ritual pelos seis meses seguintes, até chegar ao Cairo, capital do Egito.
A viagem, que cortaria dez países e lhe renderia de uma oferta de casamento na Etiópia ao susto de um atentado numa estrada do Sudão, daria origem ao livro “Candongueiro: viver e viajar pela África”, que será lançado nesta quinta-feira (25/8), na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo.
Membro do tás a ver?, Fellet conta no livro que, por trás da sua decisão de atravessar a África a bordo de vans (chamadas em Angola de candongueiros), não havia nenhuma tendência masoquista. Afinal, esses veículos eram o único meio de transporte na maioria dos locais, e Fellet sabia que, caso quisesse ver como vive a maior parte dos africanos, não havia outra maneira.
Além disso, ele queria experimentar o que os africanos enfrentavam em suas viagens, que, apesar do desconforto habitual e do risco de acidentes, também podiam incluir paisagens deslumbrantes – como as savanas no norte da Tanzânia, onde topou com girafas à beira da estrada – e encontros com figuras extraordinárias – como a motorista Saquina, que usava brincos de ouro e portava um facão para se proteger de ladrões. (continua…)
A chegada a Angola
Mas nem todo o livro trata de deslocamentos. Em “Candongueiro”, Fellet também narra sua chegada à África, quando desembarcou em Angola para trabalhar na criação do primeiro jornal econômico do país. Em 2008, seis anos após o fim de uma guerra civil que durou 30 anos, Angola tentava se reerguer. Nas ruas da capital, Luanda, milhares de operários chineses eram transportados em carrocerias de caminhões para as inúmeras obras públicas em curso.
Nas calçadas, vendedoras ambulantes tentavam chamar a atenção de angolanos e estrangeiros engravatados, que dirigiam seus jipes importados ou caminhavam com cuidado para não enfiar os pés em poças de lama. Ao longo do ano em que morou em Angola, o jornal foi lançado, ele passou a gostar de Luanda, fez bons amigos, arranjou uma namorada e viajou pelo interior do país.
Como o jornalista Roberto Pompeu de Toledo escreve na apresentação de “Candongueiro”, Fellet abre mão de “teorias e visões gerais” sobre a África e dá prioridade máxima às pessoas que conhece. “São todos contemplados com um olhar atento e afetuoso”.
No período em que morou em Angola, ele colheu histórias como a de Pedrito, que certo dia encontrou um diamante do tamanho de um limão numa mina clandestina, enfiou-o na boca e fugiu para Luanda, onde comprou um terreno e passou a trabalhar como segurança. Ou como a de Manuel, que durante a guerra civil viu homens forçarem um ladrão a encher o estômago de gasolina e a pedir desculpas pelo roubo – não sem antes de acenderem um fósforo perto de sua boca.
Ao completar um ano no país, inspirado pelas andanças do polonês Ryszard Kapuscinski pelo continente africano, partiu para a África do Sul, onde iniciaria sua viagem rumo ao Egito.
Milhares de quilômetros depois, tendo atravessado desertos, mergulhado no rio Nilo, pego carona num cargueiro no lago Vitória, escapado de armadilhas e, sobretudo, conhecido dezenas de personagens fascinantes, Fellet chega numa manhã ao Cairo, seu destino final.
É quando se lembra de uma passagem de Kapuscinsky e percebe que, mesmo completando seu roteiro, aquela viagem continua a se desenrolar em sua memória talvez pelo resto de sua vida.
Olá,
Essa viagem do jornalista João Fellet com certeza é uma aventura e tanto, através do blog dele já se percebe que o livro é uma ótima aquisição cultural.
Abraços,
Verônica
http://www.falaturista.com.br/destino/hotel-curitiba
Obrigado, Verônica! Fico feliz que conheça o blog.
Abraços,
João
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